Barracos de madeira, chão de terra batida, lampiões e varais esticados dão o clima das primeiras favelas que surgiram no Rio de Janeiro no início do século XX. Em contraste com o clima da Belle Époque, os morros da cidade reuniam gente pobre, que precisava morar perto do trabalho, no centro, como os personagens Isabel (Camila Pitanga) e Seu Afonso (Milton Gonçalves).
Os cenógrafos Fernando Schmidt e Fábio Rangel criaram o cenário do Morro da Providência a partir de fotografias e relatos históricos do próprio local, além do Morro da Conceição, situado no bairro da Saúde, e da Favela de Santo Antônio, no Largo da Carioca, destruída para a construção do Aterro do Flamengo. "Não fizemos uma reconstituição, porque não é um documentário, apenas usamos essa pesquisa como base para criar uma favela para a novela. Usamos a história para montar o ambiente que conta a trama de Lado a Lado", conta Fernando Schmidt. Os cenógrafos também analisaram pinturas do artista Eliseu Visconti, contemporâneo da transformação da cidade e que foi convidado pelo prefeito Pereira Passos para executar os trabalhos de decoração do Teatro Municipal.
Fernando conta ainda que o cenário da favela ficou realista porque o terreno já tinha um declive, que foi acentuado com aterramento. "Também posicionamos os barracos de forma a parecer que o morro estava subindo. Três coisas foram determinantes para o resultado: o material utilizado, o processo construtivo e a planta da favela", diz.
Na confecção dos barracos, a madeira utilizada é reaproveitada. "A construção dos barracos é toda de tábuas irregulares, telhas de zinco e algodão rústico. Nós tivemos que passar para os operários da montagem essa preocupação com o deixar desalinhado. É orgânico, muito simples e quase rústico", diz o cenógrafo Fábio Rangel. De acordo com a história da cidade, os moradores da favela desciam o morro durante a noite para pegar as tábuas velhas espalhadas pelas ruas e entulho de demolição após o bota-abaixo. Muitos deles haviam lutado pelo governo na Guerra de Canudos com a promessa de receberem casas ao retornar, o que não aconteceu. Por isso, a área foi denominada de "favela", em homenagem a uma planta espinhosa da região de Canudos, Favos. As caixas de madeira que embalaram canhões alemães comprados pela Marinha naquela época também viraram material de construção.
Na cidade cenográfica, a casa de tia Jurema (Zezeh Barbosa) se destaca por ser o coração do morro e o berço do samba. O quintal da casa é uma referência ao terreiro de Tia Ciata, cozinheira e mãe de santo que abriu sua casa para as primeiras rodas de samba. "Muitos negros libertos que tinham aptidão para a música entraram para a banda da polícia militar e, depois do trabalho, levavam os instrumentos para os terreiros de candomblé. Lá eles misturavam as músicas europeias com as africanas, dando origem ao samba", explica Fernando.
"O espaço do quintal é importante porque reúne a luta, a expressão religiosa e a música", completa Fábio Rangel. O cenógrafo ressalta também a importância dos espaços usados pelas mulheres. "Naquela época, 70% das mulheres da favela trabalhavam como lavadeiras e por isso há muito varal pendurado", conta.
De acordo com os cenógrafos as casas conseguiram atender às necessidades dos diretores da novela para contar a história dos personagens. "A favela não é fantasiosa, parece de verdade. A gente conseguiu fazer uma geografia positiva para as imagens da novela, já que ela tem três níveis. Essa disposição também permite o aumento da favela, com acréscimo de barracos, sem que a gente tenha que mudar de lugar", diz Fábio Rangel.
Fonte: Globo
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